1 de mar. de 2008

MANIFESTO: EU TAMBÉM TENHO UM SONHO (agradecimentos especiais às empresas Unip e Uniplan)

EU TAMBÉM TENHO UM SONHO

Discurso destinado aos colegas assalariados do 2º setor, líderes de setor, direção geral, reitores, ouvidoria, alunos e comunidade. De um agora ex-funcionário da instituição de ensino superior Unip/Uniplan em Brasília. Com circulação interna em março (01/03/2007) adaptado do discurso de Martin Luther King: "I Have a Dream" de 28/02/1963.

Eu estou contente em poder expressar meu ponto de vista acerca das coisas que aconteceram e vêm acontecendo nesta universidade privada onde trabalho, sob a ótica das pessoas trabalhadoras da iniciativa privada. E, sem duvidar que esta realidade se repita em outras instituições de ensino superior em Brasília e no país, tenho a esperança de que possamos todos estar unidos no dia, em algum dia onde a justiça social será respeitada. E este dia entrará para a história como uma grande demonstração de desenvolvimento na história do nosso Brasil.
Somos parte de um país muito rico, centena e centenas de milhares de reais circulam pelas veias do sistema bancário brasileiro, ao mesmo tempo em que 95%, da população, se não mais, é obrigado a "fazer milagre" com seu salário que mal dá para suprir suas necessidades básicas e de sua família. A cinqüenta e seis anos atrás um presidente, Getúlio Vargas, embora populista e imperfeito gerou significativas e importantes mudanças que tornou nosso Brasil um pouco melhor, em 1º de Maio de 1951, este estadista discursou o seguinte: "É justo que o trabalhador tenha um salário razoável, adequado ao seu padrão de vida e que dê para sustentar sua família, educar os filhos, pagar a casa e tratar-se nas doenças, sem precisar de favores nem da caridade pública. É justo que a lei lhe faculte os meios de atingir esses objetivos e que o Estado defenda e garanta a execução de um programa dessa natureza. A esse programa, que se iniciou no Brasil com a legislação trabalhista elaborada pelo meu governo, tenho dedicado toda a minha vida pública". A consolidação das leis do trabalho - CLT trouxe-nos benefícios e esperanças. Esse importante documento, mesmo sendo, na verdade, uma carta num jogo de baralhos, veio como um grande farol de esperança para milhões de trabalhadores que tinham murchado nas chamas da injustiça.
Mas cinqüenta e seis anos se passaram e o trabalhador brasileiro ainda não é tratado com dignidade por seus empregadores, nem tão pouco por aqueles que os representam politicamente.
Cinqüenta e seis anos depois, a vida do trabalhador ainda é tristemente invalidada pelas algemas da concentração de renda e das ações individualistas e oportunistas. Vivendo em uma ilha só de pobreza em meio de um vasto oceano de prosperidade material. E ainda adoecem nos cantos da sociedade, impedidos de falarem em favor próprio por medo de perder o emprego ou serem ainda mais prejudicados. Para todas as perguntas que possam ser feitas em busca de explicações e soluções para estas questões, certamente chegaremos ao quesito educação. Não há exercício da cidadania sem educação, sem formação, sem conhecimento.
Prezados, que lugar melhor que um centro universitário para exercitar, difundir e multiplicar a prática deste exercício: a cidadania. Que lugar melhor para incentivar a educação, a cultura, a justiça social? A menos que esta instituição não se importe com nada disso, a menos que a instituição seja apenas mais uma máquina de fazer dinheiro, trabalhando incessantemente para formar profissionais pagantes que jamais saberão o verdadeiro significado do termo "responsabilidade social", perpetuando este ciclo cancerígeno que assola o nosso mundo, nosso país, nossa cidade, bairro e nosso local de trabalho. E as conseqüências disso tudo não estão distantes de nós.
Eu me recuso em acreditar que o banco da justiça é falível. E eu me recuso acreditar que há capitais insuficientes para oportunidades, me recuso ficar calado diante de tantos absurdos que todos nós operários conhecemos e dos quais estamos cansados. E cansados de sermos surpreendidos com novas situações e imposições absurdas. Qual será o fim disto tudo?
Este não é o momento para descansar ou tomar o remédio tranqüilizante do gradualismo. Agora é o tempo para transformar em realidade as promessas de democracia, estamos em 2007. Agora é o tempo para fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de Deus.
Já está sendo fatal para o Brasil negligenciar a urgência desse momento: Quantos de nós já fomos vítimas de assaltos, golpes, preconceitos: e quem não se recorda do caso menino João Hélio, arrastado vivo até a morte diante dos olhos de seus pais. E nem precisaríamos ir tão longe, quantos jovens mortos na nossa cidade, nossos bairros todos os dias. Cito exemplos que estão na grande mídia a todo tempo, e quantos casos estão omissos, quantos não estarão sofrendo abusos n este exato momento? Será que desconhecemos de fato? E a culpa disso é de quem? De onde nasce toda essa desordem? Eu vou responder: Essa desordem, esse descompasso social nascem como os rios, em suas singelas e pequenas nascentes. Nascem do descaso, da omissão, do silêncio que eu e você fazemos por incompetência, medo, ignorância ou comodismo. Nascem com a falta de compromisso social que todos deveríamos ter, e todos, em algum dia, já testemunharam o surgimento de algumas dessas nascentes do mal, da indiferença e da irresponsabilidade. O capitalismo tem dessas coisas - cada um por si e o dinheiro por quem o têm. E, infelizmente, nesta instituição onde trabalho, eu mesmo vi e vejo esta nascente brotar como lágrimas nos olhos de Deus. A maioria dos nossos funcionários são moradores de regiões periféricas ao centro político, chamadas Cidades Satélites e Região do Entorno e trabalham sem qualquer perspectiva de evolução e oportunidade. Vergonhoso para uma universidade deste porte que, sob a justificativa da Responsabilidade Social, oferece à comunidade, atendimentos em seus departamentos da área de Saúde por precisarem de cobaias para as aulas práticas de seus alunos, enquanto seus funcionários não gozam de plano de saúde, nem podem vislumbrar a possibilidade de estudar na mesma sala que limpa e esfrega durante o seu turno de trabalho, nem mesmo tem direito a pegar emprestado um livro na biblioteca. Este assalariado, que mora longe e não estudou apenas contempla fileiras e fileiras de livros, as palestras dos professores, o glamour das formaturas no belo teatro... Tudo isso bem diante dos olhos de quem não pode pagar, porque a bolsa parcial para os funcionários com mais de dois anos de empresa, não dá acesso a todos, são poucos, geralmente solteiros cujas despesas com a casa ainda são mínimas. Façamos as contas e analisemos se um pai de família, com rendimentos de um salário mínimo vai conseguir pagar todas as despesas de uma casa e estudar, ou manter seu filho numa faculdade – pensemos - sem esquecer-se dos descontos e taxas bancárias de banco também privado e também oportunista e irresponsável.
Certamente haverá quem deboche deste manifesto, certamente alguém que está tão alheio à realidade do país que será capaz de dormir tranqüilo depois de assistir na TV noticiários sobre a ineficiência do SUS, assassinatos, estupros, acreditando que tudo isto lhe está distante, mas não está. Está mais próximo do que se imagina. E a culpa de todas as mazelas é nossa, contudo, há salvação. Eu acredito que cada um de nós pode fazer sua parte para alterar este quadro deplorável: Se você é arquiteto, ofereça um pouco do seu tempo para uma associação carente. Se você é mãe, dê aos seus filhos menos tempo diante da TV e mais incentivos à leitura. Se você é médico, auxiliar, bedel, dentista, motorista ou estudante participe de ações comunitárias, reclame seus direitos, dê sua opinião, exerça cidadania. Se todos nós contribuirmos com uma parte, em pouco tempo os resultados serão visíveis e os benefícios para todos. Seja qual for sua formação, você pode se organizar e doar um pouco do seu tempo, abrir mão de uma porcentagem de lucro a mais em favor do bem comum, por um lugar mais tranqüilo de se viver, enfim, em favor da justiça social.
Eu digo a vocês hoje que, embora nós enfrentemos as dificuldades de hoje e amanhã, eu ainda tenho um sonho, que também pode ser o seu, como o sonho de Martin Luther King pela liberdade e igualdade entre as pessoas.
Eu tenho um sonho que um dia nosso Brasil se levantará e viverá o verdadeiro significado da palavra democracia, e o valor de seu povo - nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens merecem a mesma oportunidade e voz, e que as riquezas deste país pertencem a todos.
Eu tenho um sonho que nós possamos ter a mesma qualidade e as mesmas condições de estudo que os filhos dos patrões de nossos pais tiveram e têm ao invés de somente assisti-los evoluir enquanto humildemente e silenciosamente trabalhamos nas instituições onde eles estudam.
Eu tenho um sonho que todas as crianças estejam na escola, e que as universidades públicas e particulares, e todas as instituições de ensino eduquem seus alunos sob os alicerces da justiça e do amor pelo próximo.
Eu tenho um sonho que um dia não haja egoísmo entre as pessoas, que os mais ricos sejam também sóbrios e sábios e não se ponham em disputar migalhas com quem tem menos. E que todos os líderes sejam também generosos no orientar e no tratamento com seus subordinados.
Eu tenho um sonho que um dia eu possa andar as vinte e três horas e tantas da noite nas ruas da Ceilândia, ou da Samambaia, de Planaltina, Gama ou Taguatinga em meu retorno diário de volta, depois de um dia inteiro de labutas, sem medos de assaltados ou outras violências piores.
Eu tenho um sonho de um dia poder expressar minha opinião sem medo. Que todos nós tenhamos acesso a todas as fontes de conhecimento. E que nós possamos oferecer aos nossos filhos tudo que necessitem para se tornarem cidadãos dignos, conscientes e felizes. Eu tenho um sonho hoje!
Esta é nossa esperança. Esta é a fé com que escrevo este manifesto. Com esta fé nós poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, defender liberdade juntos, e quem sabe nós, trabalhadores assalariados, veremos chegar o glorioso dia em que seremos tratados com o respeito que merecemos.

"Não me surpreendo com o grito dos maus, mas sim com o silencio dos bons". (Martin Luther King)
Esta é uma indignação coletiva, porém, propus-me por minha própria conta escrever em nome de todos, sem exigir qualquer sacrifício.
Assino sozinha. (Esperança)


Por Simone Borges
Em 24 de setembro de 2007.

(Este foi escrito motivado por uma dessas injustiças trabalhistas bastante comuns nas empresas privadas: proibiram o funcionário de utilizar as vagas de estacionamento internas, num tempo em que o roubo de carros estava em voga (não está mais?). Espalhamos o texto por toda instituição, e também foi enviado por e-mail a diretores nacionais e parceiros da instituição. Seis meses depois obtivemos resultados satisfatórios, pouco tempo depois fui desligada da empresa mas não por isso, felizmente.).

Sobre a vida

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